segunda-feira, 12 de maio de 2014

A COPA DO MUNDO E A (des)VALORIZAÇÃO DA CULTURA BRASILEIRA


   

     Com toda certeza, o evento mais esperado do ano é a Copa do Mundo de futebol organizado pela FIFA (Federação Internacional de Futebol). 

     A Copa do Mundo desde junho/julho de 2013 tem sido alvo de grandes críticas, não pela Copa em si, todos sabem que o brasileiro gosta muito de futebol, e sim pelo grande investimento na Copa. No entanto, não se vê o mesmo empenho em outras áreas do serviço público e isto é um direito. 

     E o viés cultural disso tudo? E o artista brasileiro no meio disso tudo? E a cultura brasileira? Estas perguntas não foram respondidas e passam desapercebidas pela maioria das pessoas. Então,  proponho que caminhemos por dentro delas, revelemos algumas coisas veladas por muitas dificuldades e façamos críticas a este grande evento mundial. Vamos colocar mais lenha na fogueira.

     A defesa e manutenção da cultura está assegurada na Constituição Federal (Cap.III Seção II, Art. 215 e 216), portanto é obrigação sua manutenção e desenvolvimento pelo Estado. Quanto a isso não há dificuldades e interpretações diferentes. 

     E a realidade como funciona? Vamos exemplificar esta questão tão profunda usando a Copa do Mundo como um funil onde as diversas questões são aglomeradas na prática diária. 

     Dificilmente você vê no dia a dia manifestações artístico-culturais brasileiras nos meios de comunicação e de apresentações (tv, eventos, festivais, etc.), manifestações como o frevo, o forró, o choro, o côco, o maracatu, carimbó, xote, chamarrita, dentre muitas outras.

     Os governos em sua maioria investem muito mais em trabalhos eruditos, como grupos de ballet, orquestras, do que em grupos folclóricos, e aqui não imputo valor ao trabalho, se é bom ou ruim.  Mas levanto uma questão, porque na Copa do Mundo estas manifestações que recebem mais apoio e incentivo não representarão o Brasil na grande festa de abertura e encerramento? Qual o motivo?
     Uma matéria da Folha de São Paulo mostra que a abertura do grande evento acontecerá com manifestações populares (danças e músicas) do Brasil. Então, o que menos aparece e recebe apoio é o que vai nos representar? Isso parece estranho, não?

     A Copa do Mundo é no Brasil, portanto a abertura e encerramento têm que mostrar o que o Brasil tem e é, assim concluímos que a cultura popular é o que realmente representa um País, por isso da importância de sua manutenção e defesa como esta na Constituição. Se o que nos representa como povo e país é a cultura popular, por que esta não recebe o devido tratamento nos anos em que a Copa não acontece? E na Copa, será que ela esta recebendo o devido tratamento? 

     Quando vemos uma matéria dessas podemos pensar assim: "que bom, aí está um benefício para a cultura popular, seus representantes diretos estão sendo contratados para trabalhar num grande evento", isso à primeira vista parece ser muito bom e seria se fosse verdade; na prática, estão convocando voluntários, isso mesmo, voluntários... que trabalharão de graça numa parceria do Governo Brasileiro com a FIFA. Na matéria da Folha, citada acima, temos esta informação e, como desculpa, a empresa responsável diz que 90% dos contratados para liderar esta abertura são brasileiros. Pergunto: como poderiam ser de outro país ja que as manifestações e apresentações vão ser sobre a cultura brasileira, contratariam um inglês para montar uma coreografia de Maracatu? Um mongól para o Samba? E um tcheco para o Frevo? 

     Cito como exemplo uma postagem no Facebook feita por Junior Perim, ator e coordenador executivo da empresa Crescer e Viver, que dentre outras ações organiza o Festival internacional de Circo no Rio de Janeiro que já esta em sua segunda edição:



"TELEFONEMA NA SEMANA PASSADA...


Fulana: "-Oi é o Júnior Perim do Circo Crescer e Viver?"



- Sim sou eu.



Fulana: "- Muito prazer. Meu nome é Fulana. Quem me deu seu contato foram, Beltrana e Cicrano. Eu estou trabalhando na direção do Casting do evento de abertura da Copa Mundo. Tudo bem?"



- Sim. tudo bem comigo. Mas diga lá...

Fulana: "- Na próxima quarta-feira estarei no Rio. Você poderia organizar os alunos que fazem malabares com bolas de futebol? Vou passar aí e seleciona-los para participarem da Cerimônia de abertura da Copa como voluntários."

- Peraí...mas os alunos que fazem formação aqui querem viver, trabalhar e se sustentar do seu trabalho artístico. Além disso o que você me pede também é um trabalho que o Circo Cresce Viver não vai fazer de graça para FIFA, com tudo que tem de investimento no mundial de futebol. Coisas de graça a gente faz aos montes, mas não precisamos da FIFA para nos produzir.

Fulana: "- Mas é que o nosso orçamento é muito baixo. E a FIFA ainda cortou uma parte significativa."

- Tudo bem, mas o que os alunos e o Circo Crescer e Viver tem com isso? Desculpa aí mas para FIFA a gente não trabalha de graça. Tenha um bom dia e boa sorte. Nós não estamos interessados.

NADA CONTRA TER COPA!!! O evento aqui no Brasil tem lá sua importância. AGORA NÃO DÁ PARA SE SUBMETER A ESTA FALTA DE QUALQUER COISA DA FIFA E SEUS PREPOSTOS."


     

     A abertura contará também com artistas nacionais e internacionais de renome (Claudia Leitte, Pitbull e Jennifer Lopez) que cantarão apenas a música tema da Copa e estes não o farão de graça. Entendem onde quero chegar? Mais uma vez vemos a diferença de tratamento. O que realmente representa e importa tem que ser voluntário e o supérfluo receberá altos cachês.

     E não pára por ai, o Minc (Ministério da Cultura) abriu um edital para apresentações e shows culturais nas sedes da Copa e este foi muito criticado por um simples motivo: os artistas só irão receber o cachê pelas apresentações depois do término do evento; lembrando que estamos em ano de eleição, então poderão receber apenas no próximo ano, terão que produzir seus espetáculos com o dinheiro do bolso e se derem sorte receberem 2 ou 3 meses depois. (vejam uma matéria sobre isso).

     Na matéria da Folha, Allan Cimermam, responsável pela empresa Team Spirit, que está organizando estes eventos e recebendo para isso diz : "Estes alunos (voluntários) não estão trabalhando a troco de nada, oferecemos, uniforme, alimentação, transporte e um certificado de participação". Cimermam que não gosta de usar o termo voluntário conclui: "Estamos trabalhando na capacitação de talentos para deixar um legado ao país". 

     Gostaria de saber qual é o investimento que estão fazendo, já que entram em contato com companhias artísticas renomadas, como o Circo Crescer e Viver do Junior Perim, e pedem os melhores artistas (alunos) disponíveis para um trabalho voluntário. Quem deixa legado artístico são estes artistas que trabalham de sol a sol aqui e não a empresa do senhor Allan Cimermam.  

     Minha crítica não é diretamente à Copa do Mundo, relembrando o que disso no começo, vamos descortinar as coisas que ficaram evidentes por causa da Copa mas que sempre aconteceram. Temos aqui uma das pontinhas do iceberg, podemos parar por aqui ou continuar a descobrir mais do que esta velado e lutarmos por um país melhor com Copa ou sem, um país onde o trabalho seja valorizado e devidamente remunerado ainda mais quando este esta na lista de obrigações do Estado. 

     Aguardo o segundo evento mais esperado do ano, as eleições, para ver o grau de insatisfação ou não da população. 

     A valorização da cultura é a valorização do que somos e temos, então, tudo se enquadra aqui dentro, a saúde, a economia, a segurança, a educação. Uma nação que não se valoriza não terá o por que investir em si mesma. 

     Lutemos para que isso mude até a próxima Copa no Brasil.
   

sexta-feira, 2 de maio de 2014

RACISMO, UMA REFLEXÃO ATÉ O PRÓXIMO CASO.

     Todos ouviram falar (superficialmente) do caso do Daniel Alves, jogador do Barcelona (Espanha) e também da Seleção Brasileira. Numa partida entre Barcelona e Villarreal, no último domingo (27/04/2014), após ser alvo de racismo com uma banana atirada em campo, ele (Daniel Alves) a pegou e comeu antes de cobrar o escanteio (Vídeo), isso gerou uma grande movimentação nas redes sociais com a hashtag #somostodosmacacos, um projeto bancado por Neymar com vídeos no Youtube e demais espaços publicitários, e também por Luciano Huck, gerando grande crítica para este ltimo que aproveitou o protesto e o manifesto para lucrar um pouquinho. 
     O tema do racismo me é muito claro e óbvio e já escrevi sobre ele em outro texto (Apontador Cotidiano), quero então me apegar a esta reflexão sobre os desdobramentos deste acontecido. 
     Todos os meios de comunicação mostraram o fato relatado acima e fizeram debates em seus programas. Você deve estar pensando: "Isso é bom, pois vamos refletir sobre". Por um detalhe muito claro eu não vi isso como a grande parte dos espectadores viu, tento e me esforço sempre para enxergar nas entrelinhas, mas neste caso nem foi preciso tanto. 
     Não somos todos macacos e estamos longe de ser, a referência ao macaco é uma alusão a alguém menos evoluído, e isso neste caso refere-se apenas a negros e não a todos que usam a hashtag, porque? Digo isso porque grande parte dos que usaram esta hashtag são contra bolsas ou cotas para negros mas não reclamam de ter seu curso ou pós-graduação pago pelo FIES ou pelo CAPES, percebem? No fundo esta hashtag que teve boa intenção, e com isso concordo, pois eu #souDanielAlves, serviu mais uma vez para maqui(n)ar o sistema e sua discriminação.
     De todos os programas que assisti, adivinhem quantos apresentadores e convidados que discutiam a questão do negro eram negros? Percebe agora? Quando o convidado não era um jogador de futebol ou cantor de pagode, a mesa debatedora se constituía apenas de brancos. Os parlamentares que discutiram o tema eram negros? E os professores universitários que levaram o tema para a sala de aula eram negros? Então, por favor, não me venham com esta hashtag em seu Twitter ou Facebook ou Instagram, venham com acesso à transporte, lazer, segurança, comida, água, moradia, cultura e educação, na verdade, entendo educação como a somatória de todas estas necessidades.
     Volto a dizer, como fiz no meu ultimo texto, que o problema não é quando alguém me acha inferior ou pior porque sou negro, ou afrodescendente, ou moreninho, ou pretinho, ou cor de burro quando foge, ou Cirilo, ou urubu, ou macaco e segue a lista de apelidos não racistas; o problema é quando este "achar" fere meus direitos legais, enquanto está apenas na cabeça de alguém, não tenho nada a ver com isso, isso passa a ser crime quando vira uma ação que tira um direito legal adquirido ou constitucional, como queiram, e aí aparece o grande problema, o Estado garante acesso em suas leis mas não cumpre na prática.
     Por isso afirmo que o preconceito é institucional, em vez de oferecer todo o direito oferecem algumas cotas. Entendam que eu não sou contra, sou a favor das cotas, ela diminui a porcentagem de negros fora da escola superior, os negros já somam 6% dos alunos universitários por causa das cotas. De cada cem vagas, apenas seis são alcançadas por negros. Claro que se formos para cursos tradicionais em universidades tradicionais o número de negros é zero, mesmo com cotas, vejam a USP como exemplo. Nem vamos pensar em quantos desses 6% conseguem emprego na área formada depois. Sou a favor das cotas como passo inicial para uma reformulação da sociedade, mas não devemos permitir que fique apenas nisso, não queremos esmola, queremos que as cotas sejam um primeiro passo para que os direitos sejam plenos. 
     A maqui(n)agem é clara, bem clara. Na verdade, esta hashtag mais maqui(n)a do que resolve a questão de identidade ou do preconceito. Lembro de um caso que me custou muito, vou relatá-lo aqui em tom de denúncia: 
          
          "Estava na quinta ou sexta séria, isso nos longínquos anos 90 do século passado, eu tinha 11 ou 12 anos, numa aula de educação física alguns coleguinhas de classe resolveram me presentear com um cacho de banana; eu era bolsista numa escola particular, era uma excessão à regra naquele momento, em toda a escola éramos em três negros,  pois ali não era lugar de um moreninho, e este delicado presente de meus coleguinhas deixava isso claro. Eu fiquei muito assustado, pois o cacho de bananas veio junto a alguns xingamentos bem amorosos, eu busquei a diretoria logo após a aula para solucionar o problema e repreender os meus coleguinhas de classe, lembro como se fosse hoje, eu usava um óculos vermelho, sempre gostei de óculos diferentes, subi a escada até a diretoria com o cacho de bananas na mão, contei a inspetora e ela levou o caso para a diretora que me chamou e fez algumas perguntas, e eu ali assustado disse que iria falar para meu irmão que era bem mais velho, grande e forte (todo irmão menor pensa isso de seu irmão mais velho?) e a diretora me disse que não seria preciso, que resolveria o caso e marcaria uma reunião com os alunos e os pais deles. Eu aguardo até hoje esta reunião ser marcada para ver meus coleguinhas de classe serem repreendidos, pois somos todos macacos não?" 

     De lá para cá o que mudou? Mudou que agora aprendi que eu deveria ter comido as bananas em protesto... 
     Até o próximo caso de racismo, boa semana.
   


segunda-feira, 28 de abril de 2014

É preciso maqui(n)ar bem para ficar bonito na foto

Velhos preconceitos presentes hoje, mas pouco comentados, pois maqui(n)ar é preciso. 

     Nestes últimos dias fatos corriqueiros, mais corriqueiros do que gostaria, chamaram a atenção mesmo sendo pouco divulgados, talvez pela camuflagem ou pior, pela naturalidade em encará-los.

    Um jovem preso por engano, piada, um comentário infeliz, pessoas imitando um macaco, pessoas chamando alguém de macaco demonstram a excelente maquinagem, quis dizer maquiagem, que permitem uma reflexão. 

     O ator e vendedor Vinícius Romão de Souza, de 26 anos, foi preso por engano simplesmente por ser negro, ter cabelo de negro, não houve uma averiguação para comprovar a acusação e ele foi preso em flagrante.

     A apresentadora Glória Maria da Rede Globo de Televisão foi vítima de uma piadinha no Instagram quando postaram uma foto sua ao lado de amigas de trabalho. 


     
  Créditos da imagem: entretenimento.r7.com

     Uma das moradoras da Casa do BBB deste ano, chamada Franciele, fez um comentário dizendo que se não passar desodorante fica com cheiro de neguinha.

     Três jogadores brasileiros,Daniel Alves (Barcelona), Tinga (Cruzeiro/MG) e Arouca (Santos/Sp), em jogos por seus clubes foram vítimas de racismo.

     O programa Encontro com Fátima Bernardes convidou o jovem preso por engano para participar e dar entrevista no programa e este assunto do racismo e do preconceito  teve um pequeno espaço no programa. 

     Existe um discurso que diz que todos são vítimas de um sistema que ensina desta maneira, não acredito que todos são vítimas, vitimas são Vinícius, Glórias, "neguinhas fedidas" e atletas negros por este país a fora. 
     
     Quero dar um recado especial pra você moreninho, marronzinho, você que não é tão negro assim, mas que também não é branco, talvez você, em algum momento, ouviu coisas do tipo: "mas você nem é negro", "você é no máximo moreninho", "é quase branco" (essa é minha preferida). Sua cor de pele vai mudar conforme a necessidade da ocasião. Como sei disso? Advinha… Será neguinho em algumas ocasiões convenientes e também será quase branco, quase aceito em outras. Assuma-se, encontre-se e não deixe que te enganem. Se quer saber como me considero, eu sou NEGRO, filho de negra, neto de negra e bisneto de escrava liberta, daqui em diante a genealogia continua em terras africanas.  


     Não devemos colocar panos quentes, devemos cutucar, vascolejar, isso nunca foi um caso isolado é uma questão política, então temos que exigir pautas políticas, temos que exigir penas mais severas, temos que exigir respeito através da luta, não lembro um período histórico em que isso tenha sido diferente.

     Creio que o problema deveria ser trabalhado nas escolas desde muito cedo, que as punições deveriam acontecer em todos os casos comprovados de racismo e preconceito, infelizmente a esta altura do campeonato não dá mais para esperar a compreensão e a aceitação de que não há diferenças entre cores, peles, narizes, que isso não demonstra de forma alguma capacidades inferiores ou superiores. O lindo sermão de Luther King não passa de um sonho, lindo sonho, a realidade é cruel, pelo menos por aqui, e negros necessitam tirar 12 nas mesmas provas para serem equiparados com brancos que tiram 8. Não há dúvidas de que isso acontece! 

     Qual negrinho ou negrinha não foi vítima de preconceito? Não conheço um que nunca passou por tal situação no mínimo constrangedora, numa blitz o negrinho não tem o mesmo tratamento do branco, em alguns lugares (restaurantes, lojas), na porta de entrada vem aquele olhar de reprovação dizendo que aquele local não é para você. Já viveu isso? (risos) Quantas e quantas vezes. 

     Poderíamos chover no molhado e dizer que todos são iguais, que todos merecem o mesmo respeito, que temos que ser daltônicos quanto à cor de pele, e poderíamos ser mais poéticos também, é uma linda teoria, na prática você não passa de mais um negrinho meliante, esse adjetivo vem de brinde, suspeito sempre. 

     E tem aqueles que invocam de seu interior coisas do tipo: racismo não existe, vejam o Joaquim Barbosa, vejam o Obama, claro que racismo não existe, é só olhar a sucessão de negros nestes cargos, é a coisa mais normal do mundo ver um negro ali, não é? E quando dizem que é mérito? Hahahaha eu me divirto, sim, sim, dizem que é mérito, então na história do Ocidente só dois negrinhos foram meritórios e o resto? O resto é vagabundo, não estudou, não trabalhou, porque se tivessem feito isso teriam chegado lá como o Joaquim e o Obama, exemplos da igualdade racial. 

      Sabe, queria estar ali no cantinho, quietinho, só olhando a reunião do dia 12 de maio de 1888, vendo e ouvindo a sublime decisão de libertarem os escravos. Ah que atitude bondosa, a mão de obra agora livre da migração européia estava chegando para substituir os negros, mas claro que teriam salários, seriam livres. Você achou que seriam como os negrinhos? E no dia 13, que cena linda, a Lei Áurea é assinada todos os negros são livres, que bonito. Pergunto: foram para onde? Trabalhar com o quê? Viver do que? Sabiam ler? Sabiam escrever? Qual foi o plano da Lei Áurea para isso? Não houve né. Os negrinhos ontem eram escravos e hoje são livres, sem ter para onde ir, sem direito a nada. Era só o que faltava, ainda quererem alguma coisa, já foram libertos. Eis aqui a criação da famosa favela, foram viver de vento, ar e luz em algum canto que acharam. E de lá pra cá o que mudou? Mudou que um Joaquim ousa sair de seu cantinho para alcançar algo maior, sem ter o mesmo acesso à escola, educação ou qualquer outra coisa que os demais livres têm. 

     O que às vezes confunde as pessoas e o que não quero saber é se alguém me acha ruim ou menor porque sou moreninho ou negro, não posso e não quero entrar na cabeça desta pessoa e mudar o que ele(a) pensa, isso claro enquanto for apenas um pensamento dele(a), não quero mudar a cabeça dele(a), quero que o que ele(a) pense não me atrapalhe socialmente, não me tire direitos, entendem a diferença? O problema não é ele achar algo a meu respeito, o problema é quando isso me atrapalha socialmente, é quando isso se torna institucional e um negro deixa de ter direitos básicos negados pelo que outra pessoa pensa, isso é o que deve ser combatido, a institucionalização do preconceito.     

    Racismo! Racistas! Preconceituosos! Aqui o preconceito é institucional, é uma marca registrada do Estado e da família brasileira. 


     O que fazer? 

    Que os atletas negros e os demais abandonem o campo a cada grito de Macaco. Que a Glória venha em Rede nacional e grite, não dá mais para ficar assim.

     Tivemos também o caso do jogador de vôlei Wallace.

     Estes foram alguns casos na mídia que não receberam maior atenção além de algumas matérias e o rostinho de triste dos repórteres. Eu quero mais! Quero que sejam todos tratados iguais, que os racistas paguem por seus crimes. 
     

     Não há mais espaço para a separação, não há mais espaço para a segregação, quer ela seja racial, social, sexual, somos todos iguais nos direitos e deveres e diferentes em nossas escolhas e isso deve ser respeitado. 

     Fica aqui de forma explícita minha repugnação contra estes fatos e tantos outros que acontecem a cada dia, não seja passivo nesta situação, ensine, eduque seus filhos ,sobrinhos, alunos, etc., para que eles tenham um mundo que nós não tivemos, onde o sermão de Luther King deixe de ser sonho e vire realidade. 

     I have a dream, I have a reality.

     Que o preconceito que gera a camuflagem deixe de existir. 

    


sábado, 19 de abril de 2014

Uma Ponte para Deus em Terabítia

Um dia desses passando pela sala, entre um afazer e outro, olhei para a TV transmitindo a fatídica Sessão da Tarde e lá estava mais um filme reprisado. Fui até a cozinha, mas fiquei de “orelha em pé” (quem tem um cachorro compreende o que isso quer dizer), porque era um filme de reinos encantados e distantes, não sei porque mas, desde muito pequeno, estes filmes me encantam (creio já ser tarde demais para abandonar um velho vício de infância). Durante o filme “Ponte para Terabítia”, me deparo com um diálogo que me espantou pela profundidade, já que era um filme para o público infanto-juvenil. Não que filmes para este público não tenham profundidade, mas discutir Deus e a religião de forma tão séria “do nada”, numa sessão da tarde (risos), sem avisar antes para nós adultos nos prepararmos para argumentar?
Refletindo depois (porque assisti ao filme mais três vezes), me lembrei muito de um livro de Rubem Alves “Perguntaram-me se acredito em Deus”. Se você não leu, precisa colocá-lo em sua lista de urgências vitais, antes de entrarmos no diálogo do filme. Lembro de uma estória que o professor sempre contava (sim, tive a sorte de ser aluno de Rubem Alves):
            “O galo era o mais imponente animal daquela fazenda, toda madrugada ele acordava, levantava e caminhava ao ponto mais alto do galinheiro, estufava o peito sob o olhar embasbacado de todos os outros animais, enchia o peito e cantava, cantava com toda estirpe de um tenor, e logo após o sol nascia no horizonte, ah que espetáculo, todos os animais ficavam impressionados com este canto e com este galo, afinal o sol nascia todo o dia apenas quando o galo cantava, que poder, e claro que todos tinham muito cuidado com o galo, afinal imagina se algo acontece com ele? Ficariam todos sem sol?
            Um belo dia o galo perdeu a hora e quando acordou, adivinhem? O sol já estava lá a pino, forte e imponente, e todos os animais zombavam descaradamente do galo, principalmente, o peru com aquela sua gargalhada peculiar. O galo ficou muito, muito tempo em depressão e o sol nascia a cada dia sem seu canto mágico, um belo dia, logo após o sol nascer, o galo levanta com toda pompa, sobe ao canto mais alto do galinheiro e começa a cantar, todos ficaram sem entender nada, por que cantar depois de tanto tempo, depois que o sol já havia nascido? Ele então responde: “antes cantava para o sol nascer e era um louco, hoje canto porque o sol nasce e sou um poeta!”
Vamos ao diálogo do filme “Ponte para Terabítia”, que se passa entre três crianças na carroceria de uma caminhonete ao saírem de um culto matinal. As três crianças são: Jess, May Belle (irmã de Jess) e Leslie (convidada para aquele culto dominical):
-       Leslie: Gostei muito te ter ido, toda história de Jesus é interessante não é?
-       May Belle: Não é interessante, é assustadora, enfiaram pregos nas mãos dele, somos todos pecadores e Deus fez Jesus morrer por isso.
-       Leslie: Acha que isso é verdade mesmo?
-       Jess: Está na Bíblia, Leslie.
-       Leslie: Vocês têm que acreditar e odeiam, eu não tenho que acreditar e acho maravilhoso.
-       May Belle: Temos que acreditar na Bíblia, Leslie.
-       Leslie: Por quê?
-       May Belle: Porque se não acreditar na Bíblia, Deus vai te mandar para o inferno quando você morrer.
-       Leslie: Nossa, May Belle! Onde ouviu isso?
-       May Belle: É verdade, não é Jess? Deus te manda para o inferno se você não acreditar na Bíblia.
-       Jess: Eu acho que sim.
-       Leslie: Eu não acredito. Sinceramente, acho que Deus não sai por aí condenando pessoas a viver no inferno. Ele está ocupado demais governando tudo isso (apontando para a Natureza).

Que diálogo interessante para uma sessão da tarde, me tirou o foco do trabalho naquele momento, parei e fui assistir ao filme.
Logo lembrei do livro de Rubem Alves, que responde a uma pergunta desafiadora. Conta ele que esta pergunta foi feita por uma senhora numa palestra sobre educação e ele a usou para escrever lindamente este livro confissão. Na obra, é nítida sua provocação a Bíblia e ensinamentos difundidos e aceitos pelo Cristianismo, ele brinca e desmonta muitas estórias, criando novas perspectivas, a começar pelo personagem principal do livro que é um senhor bem velho contador de estórias chamado Benjamim. Os conhecedores do Antigo Testamento já fizeram a ligação com um dos doze filhos de Jacó que deu origem ao povo hebreu, ele foi o caçula, sua mãe Raquel morreu no parto, agora ele já bem idoso faz as narrações.
Qual a ligação entre o trecho do filme (por que não o filme todo?) e o livro? Os dois tratam do mesmo assunto, a crença (fé), suas consequências, crises e esperanças.
A questão levantada no diálogo que mais me chama atenção é “vocês tem que acreditar e odeiam, eu não tenho que acreditar e acho que é maravilhoso.” Interessante afirmação, ali existe a religiosidade e uma perigosa liberdade daqueles que não são obrigados a crer. E tem alguém que é obrigado a crer? Sim, os religiosos, que vão a cultos matinais, vespertinos, mas têm dificuldades com o sono porque correm sempre o risco de irem para o inferno, são obrigados a crer na Bíblia com o único intuito de não irem para o inferno; é o peso de uma religiosidade.
A transgressora Leslie e o Mestre Benjamim de Rubem Alves têm muito a conversar, eles são livres e Deus não é um peso, um fardo, e sim um vento leve que sopra lindas melodias mesmo nas histórias mais tristes, eles não são obrigados a ouvir a canção, escutam porque gostam dela, percebem?
Mestre Benjamim conta sobre um Deus que parece uma fonte de água a jorrar, não para que ninguém não morra de sede e nem para que todos necessitem ir até lá beber, mas Ele é fonte e jorra, simplesmente, quem quiser pode ir beber. Um Deus mais poético, menos cartesiano, livre. A religião cria gaiolas. Não estou aqui defendendo este ou aquele Deus ou esta ou aquela percepção sobre Deus, estou aqui querendo abrir a minha gaiola, querendo ouvir e cantar doces melodias. Já se perguntaram porque nossas promessas para Deus são sempre sacrificiais? Vou deixar de comer, vou abrir mão disso ou daquilo, para quê?... Porque não podemos prometer escrever e(ou) recitar um poema para Ele? Não podemos sentar com Ele e ouvir o Prelúdio da Suite nº1 para Violoncelo (Cello) de Bach? Se você a toca, por favor, me chame para este momento “sacrificial”.
Vamos aprender com Benjamim ou com Leslie a não sermos obrigados a nada e, de livre espontânea vontade, ouvir e entoar canções, poemas ou um belo silêncio para Ele, o ETERNO.
Para terminar, não poderia esquecer o texto do Novo Testamento que fala sobre o filho pródigo. Todos sabemos da estória desta parábola, em que o filho mais novo pede ao pai sua parte na herança e sai a gastar e a viver de forma descompromissada, gasta tudo o que tem enquanto seu irmão mais velho continua ali ao lado do pai a trabalhar fiel; o mais novo teve que trabalhar cuidando de porcos para sobreviver e lembrou que os funcionários do pai dele possuíam uma vida mais digna e resolve voltar e pedir ao pai que o trate como um daqueles funcionários, o pai o recebe numa festa linda e claro que o aceita como filho, nisso o mais velho fica bravo pois sempre esteve ali trabalhando e nunca tivera uma festa. Creio que você já ouviu este texto em muitas mensagens ou palestras, mas o principal quase ninguém fala, no fundo o pai espantou o mais novo porque este esperava menos e o mais velho se chateou pois esperava mais, o que aprender nesta história? Simples, Deus não contabiliza débitos e nem créditos. Viva, pois Ele não espera nada de você, Ele é uma fonte a jorrar em todos os lugares, na sessão da tarde ou numa boa conversa com um velho contador de estórias.

E você, acredita em que Deus?





Bibliografia:


ALVES, Rubem. Perguntaram-me se acredito em Deus. São Paulo: Planeta do Brasil, 2007.
CSUPÓ, Gábor. (direção). Ponte para Terabítia (Bridge toTerabithia). EUA/Nova Zelândia: Walt Disney Pictures, 2007.



sexta-feira, 11 de abril de 2014

Ipea: erros, protestos e conclusões.

No dia 27 de março, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgou um estudo sobre "Tolerância Social à violência contra as mulheres", batizado de Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS). O trabalho baseou-se na entrevista de 3.810 pessoas, residentes em 212 municípios de todo o país. 
Para quem se interessar compartilho os links da pesquisa e da errata que foram divulgados no site www.ipea.gov.br .

A Pesquisa divulgada no dia 27/03/2014 - "Tolerância Social à violência contra as mulheres" 

A Errata divulgada no dia 04/04/2014 - Errata, no final da página da Errata o Ipea compartilha os micro dados de toda a pesquisa.

Vou elencar alguns dados interessantes divulgados além do número equivocado de 65% que, possivelmente, concordavam com o estupro a mulheres que se "vestiam de forma vulgar" (todos os dados foram retirados da pesquisa):

"Tem Mulher que é pra casar, tem mulher que é pra cama"
54,9% concordam completamente ou parcialmente com esta afirmação e 35,3% discordam total ou parcialmente, o restante é neutro.

"Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher"
81,9% concordam total ou parcialmente com esta afirmação.

"A 'roupa suja' deve ser lavada em casa"
89% concordam total ou parcialmente com esta afirmação.

"Casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre os membros da família"
63% concordam total ou parcialmente com a afirmação.

"Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupro"
58,5% concordam total ou parcialmente com a afirmação.

Quero também delinear o perfil dos entrevistados:
- 66,5% são mulheres
- 65,7% são católicos (entre homens e mulheres)
- 24,7% são evangélicos (entre homens e mulheres)

A tal questão que foi trocada e gerou uma grande movimentação e também a demissão de um funcionário do Ipea dizia que "mulheres que usam roupa que mostram o corpo merecem ser atacadas".










Depois de grande movimentação nas redes sociais e um número muito alto de visitas ao site do Ipea, constatou-se que foram trocadas as respostas de duas questões, ou seja, a resposta mostrada no gráfico acima, na verdade era da questão que dizia: "Mulher que é agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar".

Com toda certeza é uma questão menos chocante, agressiva e violenta do que a do ataque (estupro), mas também não é uma questão branda o suficiente para dizer: "ufa, vivemos em uma sociedade resolvida quanto a questão de gênero".  

No final das contas, a pesquisa caiu num certo descrédito pelo erro cometido, mas este mesmo erro trouxe um assunto muito importante à tona e isso sim é muito positivo, o saldo final só o tempo e as muitas lutas dirão.

Muitos protestos aconteceram de diversas formas, porém o mais corrente foi as mulheres, aparentemente nuas, postando cartazes com a frase "eu não mereço ser estuprada", e homens reforçando estes dizeres: “elas não merecem ser estupradas”.
Ocorreram críticas e apoios, alguns casos foram parar na polícia, pois comentários agressivos e desrespeitosos foram escritos nas postagens de protesto. 

O que penso sobre tudo isso? Não é uma questão fácil e simples de se resolver, mas é preciso refletir e caminhar. 

O erro do Ipea foi, de certa forma, grosseiro para um instituto desta importância, mas foi resolvido. Não sei se a tempo. Os resultados da pesquisa não foram inovadores ou uma surpresa para mim, eu os vejo dia-a-dia em praticamente todos os lugares.

Os números de toda a pesquisa mostram que a mulher é colocada como co-autora dos crimes cometidos contra ela, exemplo: se ela apanha e continua é porque gosta de apanhar. Ninguém levou outras opções em consideração, como ameaças, filhos pequenos. Casos de violência devem ser discutidos com os da família, mas numa família formada por marido, esposa e filho(a) pequeno, quem vai discutir a violência?

Penso, se você vê alguém roubando a casa de um vizinho, você não tomaria as providências corretas contra o ladrão? Porque, então, não tomaria as mesmas providências num caso de violência doméstica? Seria conivência não fazer nada, não seria?  Isso porque a pesquisa não foi estendida à violência aos filhos(a) pequenos.

Sobre o perfil dos entrevistados temos a confirmação de que as mulheres são machistas. Revendo o conceito da opressão do homem sobre a mulher, aqui vemos a opressão da mulher sobre a mulher, a opressão é social, partindo mais do senso comum e do inconsciente coletivo.

A questão do machismo não está diretamente relacionada a questões religiosas, como pensam erroneamente muitas pessoas, principalmente às religiosas cristãs, neste caso específico. Todo aquele discurso de submissão (respeitando quem crê e também quem não crê) que prega-se contra o movimento feminista, na verdade, está sempre relacionado não ao homem e à mulher como gênero, e sim a um casal. E isso faz uma diferença enorme! A Bíblia não diz em nenhum lugar que a mulher deve estar submissa ao homem, diz que a esposa deve estar submissa ao marido e isso é muito distante da luta da igualdade dos gêneros. 

Vemos nos números citados acima que muitas coisas ainda nos são tabus, grandes tabus, "briga de marido e mulher ninguém mete a colher" é um ditado dúbio, o que é a briga, o que é meter a colher? Esta questão está intimamente ligada a outra que diz que "a roupa suja deve ser lavada em casa" e também a "casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre os membros da família". Percebam o tabu que aparece aqui, famílias tem medo de se expor ao julgamento social por causa da violência que ocorre internamente, muitas mulheres não denunciam por que a denúncia em si é mais uma violência contra ela, é revisitar os fatos, é vivenciar mais uma vez, e quantas e quantas vezes ela terá que fazer isso num processo judicial ou apenas para fazer um simples B.O. 

A violência contra a mulher existe sim e precisa ser questionada com ou sem a pesquisa do Ipea, precisa ser bradada aos quatro ventos, precisa ser trabalhada em homens e mulheres, precisa ser tratada como um problema social como é. Este questionamento precisa estar intimamente ligado à educação e à cultura. Sei, eu sei que isso é praticamente utópico na grande maioria dos casos. 

Concluo, de forma bem simples, que não dá para esperar por mais uma pesquisa do Ipea, é preciso caminhar para algo maior e melhor, para uma sociedade mais igualitária, em que as mulheres e crianças não sejam propriedade alheia de pai ou de marido, precisamos buscar um viver harmonioso ou, pelo menos, um conviver menos violento e aqueles que transgredirem as leis, paguem por isso. 

Deixo o meu grito de “Não à violência”, deixo meu agradecimento a tantas Marias da Penha que lutam bravamente; aprendi e vi, desde cedo, sobre a luta das mulheres, dentro de casa, quando minha mãe saia para trabalhar e lutar por uma vida melhor. 

Ah, e o protesto? Muitos riram depois da pesquisa se mostrar errada, pensando que todos os protestos foram inválidos. Que engano, a luta por um mundo mais justo nunca é inválida!

Segue, aqui, nosso protesto que fizemos em decorrência da violência contra a mulher, que também foi apontada pelo Ipea e depoimentos de pessoas que compartilharam a mesma nas redes sociais. Este protesto que fizemos também é contra a inércia da Igreja Evangélica brasileira que não se pronunciou oficialmente sobre o tema que é tão recorrente no dia a dia de todas as mulheres inclusive as cristãs, visto que a pesquisa aponta um número elevado de católicos e evangélicos.






"Somos um grupo de amigos que temos em comum a fé cristã e acreditamos na igualdade entre todos os seres humanos.
Repudiamos o resultado da pesquisa do Ipea, que demonstra em números o que as mulheres sentem na pele dia a dia: o preconceito, o abuso, o desrespeito e o ultrajante ato do estupro. 

Diga não ao abuso, diga não ao estupro, diga não à agressão, diga não ao seu machismo.
Estupros não são justificáveis."

#NaoMerecoSerEstuprada #AVitimaNuncaECulpada #NinguemMereceSerEstuprada

"Eu me chamo Rodrigo e frequentei três cursos universitários (Direito na PUC/SP - Ciências Sociais na USP - Relações Internacionais na Rio Branco/SP) durante a minha vida. Sem entrar em detalhes em qual deles isso ocorreu, para preservar a vítima que deseja ficar anônima, eu tive uma colega estuprada pelos próprios colegas da nossa turma. Estamos falando de dois estudantes universitários, presumidamente educados, ambos de classe média alta. A justificativa deles é que ela estava tão bêbada, após uma festa em uma viagem de estudantes, que eles tiveram que tirar a roupa dela, dar um banho e daí foi "impossível segurar a vontade". Logo, "ela teria pedido para ser estuprada. Quem mandou ficar tão bêbada que precisou ser banhada e cuidada por dois amigos homens?". Nunca vou esquecer a angústia, o sentimento de humilhação, enfim a enorme dor e o trauma da vítima que só descobriu o estupro pelas dores musculares do dia seguinte associadas à uma gravidez inexplicável, já que ela estava sem parceiro e, portanto, sem relações consentidas há um bom tempo. Nunca deixei de pensar em o quanto seria difícil para ela confiar novamente em um outro homem. Nós seres humanos nos diferenciamos dos outros animais pela capacidade de raciocinar e conter nossos impulsos, sejam eles quais forem. Portanto, somos nós homens, enquanto humanos, capazes sim de respeitar uma mulher, ainda que ela esteja completamente nua diante de nós. Quem já frequentou ambientes naturistas (muito comuns na Europa) sabe muito bem disso. Apesar da nudez explícita, prevalece o respeito. Temos que respeitar todas as mulheres como aprendemos a respeitar nossas avós, mães, irmãs e filhas. Não há diferença! Se você, colega masculino, não consegue olhar uma mulher, ainda que ela esteja nua, e não se conter, apesar do NÃO consentimento dela, você tem um grande problema psicológico. Busque ajude imediata! Porque você não pode viver em Sociedade. No âmbito social deve prevalecer o respeito à vontade alheia, às leis do teu Estado quando democrático e, sobretudo, às leis de Deus. A culpa é e sempre será dos homens quando há qualquer tipo de estupro. A mulher é apenas e tão somente uma vítima. Em todos os casos, em todas as histórias. Tenho o orgulho de ter participado deste ensaio fotográfico. Porque as vítimas (mulheres) precisam do nosso apoio irrestrito e da nossa participação nesta luta contra esse machismo que vigora, ainda e infelizmente, em nosso país. Essa pesquisa me dá vergonha de ser brasileiro, mas concomitantemente, muita vontade de lutar para assegurar o respeito que nossas compatriotas precisam para viver em paz no nosso Brasil." Rodrigo Lima.

"Eu sou Bárbara Santos e me sinto desrespeitada quando atravesso a rua de minha casa.(Bárbara é atriz e cientista das religiões e, para sair de casa, precisa atravessar a BR-230, situação em que sempre escuta buzinas, olhares e comentários maldosos por parte dos motoristas)."

"Eu sou Melina Rodrigues e me senti desrespeitada quando, voltando para casa me puxaram pelo cabelo e me assediaram verbalmente, se não tivesse outras pessoas por perto poderia ter sido pior. Tive medo por muitos dias.
Melina Rodrigues é estudante universitária, e ao andar nas ruas, eventualmente, é alvo de palavras e olhares maldosos."

"Eu sou Ana Flávia e me sinto desrespeitada quando, no ambiente de trabalho, os homens me enxergam como objeto sexual"
Ana Flávia é professora e assessora de comunicação e, muitas vezes, ouve piadas pornográficas.

"Sou Lidia Camila e me sinto desrespeitada quando vou à praia". (Lidia Camila, atualmente, modelo não se sente à vontade com os olhares maldosos em um simples banho de sol).

“Eu sou Ana Carolina Silveira e me sinto desrespeitada quando, na parada do ônibus, percebo que alguns motoristas diminuem a velocidade, muitas vezes, param ou quase param o carro para “me ver melhor” e ainda buzinam”. (Ana Carolina é publicitária e estudante universitária e, muitas vezes, é alvo de olhares maliciosos por pedestres e motoristas).

"Eu sou Katiúcia Morais e me sinto desrespeitada quando, no transporte público ou na rua, grupo de homens assediam mulheres. 
(Katiúcia Morais é estudante universitária, reside em uma cidade vizinha da capital e diariamente utiliza o transporte público.)"

"Eu sou Noádia Priscila e me sinto desrespeitada quando, QUALQUER pessoa, em qualquer lugar do mundo é alvo de qualquer tipo de violência. Não manifesto sensualidade em minha forma de vestir e nem a recomendo, mas não condeno quem o faz, porque este não é o meu papel social. O meu papel social é contribuir com uma sociedade mais justa, promover paz e ajudar a quem for possível.
Noádia Priscila é professora universitária, e compartilha o seu repúdio à consciência daqueles que justificam quaisquer formas de violência."