sexta-feira, 2 de maio de 2014

RACISMO, UMA REFLEXÃO ATÉ O PRÓXIMO CASO.

     Todos ouviram falar (superficialmente) do caso do Daniel Alves, jogador do Barcelona (Espanha) e também da Seleção Brasileira. Numa partida entre Barcelona e Villarreal, no último domingo (27/04/2014), após ser alvo de racismo com uma banana atirada em campo, ele (Daniel Alves) a pegou e comeu antes de cobrar o escanteio (Vídeo), isso gerou uma grande movimentação nas redes sociais com a hashtag #somostodosmacacos, um projeto bancado por Neymar com vídeos no Youtube e demais espaços publicitários, e também por Luciano Huck, gerando grande crítica para este ltimo que aproveitou o protesto e o manifesto para lucrar um pouquinho. 
     O tema do racismo me é muito claro e óbvio e já escrevi sobre ele em outro texto (Apontador Cotidiano), quero então me apegar a esta reflexão sobre os desdobramentos deste acontecido. 
     Todos os meios de comunicação mostraram o fato relatado acima e fizeram debates em seus programas. Você deve estar pensando: "Isso é bom, pois vamos refletir sobre". Por um detalhe muito claro eu não vi isso como a grande parte dos espectadores viu, tento e me esforço sempre para enxergar nas entrelinhas, mas neste caso nem foi preciso tanto. 
     Não somos todos macacos e estamos longe de ser, a referência ao macaco é uma alusão a alguém menos evoluído, e isso neste caso refere-se apenas a negros e não a todos que usam a hashtag, porque? Digo isso porque grande parte dos que usaram esta hashtag são contra bolsas ou cotas para negros mas não reclamam de ter seu curso ou pós-graduação pago pelo FIES ou pelo CAPES, percebem? No fundo esta hashtag que teve boa intenção, e com isso concordo, pois eu #souDanielAlves, serviu mais uma vez para maqui(n)ar o sistema e sua discriminação.
     De todos os programas que assisti, adivinhem quantos apresentadores e convidados que discutiam a questão do negro eram negros? Percebe agora? Quando o convidado não era um jogador de futebol ou cantor de pagode, a mesa debatedora se constituía apenas de brancos. Os parlamentares que discutiram o tema eram negros? E os professores universitários que levaram o tema para a sala de aula eram negros? Então, por favor, não me venham com esta hashtag em seu Twitter ou Facebook ou Instagram, venham com acesso à transporte, lazer, segurança, comida, água, moradia, cultura e educação, na verdade, entendo educação como a somatória de todas estas necessidades.
     Volto a dizer, como fiz no meu ultimo texto, que o problema não é quando alguém me acha inferior ou pior porque sou negro, ou afrodescendente, ou moreninho, ou pretinho, ou cor de burro quando foge, ou Cirilo, ou urubu, ou macaco e segue a lista de apelidos não racistas; o problema é quando este "achar" fere meus direitos legais, enquanto está apenas na cabeça de alguém, não tenho nada a ver com isso, isso passa a ser crime quando vira uma ação que tira um direito legal adquirido ou constitucional, como queiram, e aí aparece o grande problema, o Estado garante acesso em suas leis mas não cumpre na prática.
     Por isso afirmo que o preconceito é institucional, em vez de oferecer todo o direito oferecem algumas cotas. Entendam que eu não sou contra, sou a favor das cotas, ela diminui a porcentagem de negros fora da escola superior, os negros já somam 6% dos alunos universitários por causa das cotas. De cada cem vagas, apenas seis são alcançadas por negros. Claro que se formos para cursos tradicionais em universidades tradicionais o número de negros é zero, mesmo com cotas, vejam a USP como exemplo. Nem vamos pensar em quantos desses 6% conseguem emprego na área formada depois. Sou a favor das cotas como passo inicial para uma reformulação da sociedade, mas não devemos permitir que fique apenas nisso, não queremos esmola, queremos que as cotas sejam um primeiro passo para que os direitos sejam plenos. 
     A maqui(n)agem é clara, bem clara. Na verdade, esta hashtag mais maqui(n)a do que resolve a questão de identidade ou do preconceito. Lembro de um caso que me custou muito, vou relatá-lo aqui em tom de denúncia: 
          
          "Estava na quinta ou sexta séria, isso nos longínquos anos 90 do século passado, eu tinha 11 ou 12 anos, numa aula de educação física alguns coleguinhas de classe resolveram me presentear com um cacho de banana; eu era bolsista numa escola particular, era uma excessão à regra naquele momento, em toda a escola éramos em três negros,  pois ali não era lugar de um moreninho, e este delicado presente de meus coleguinhas deixava isso claro. Eu fiquei muito assustado, pois o cacho de bananas veio junto a alguns xingamentos bem amorosos, eu busquei a diretoria logo após a aula para solucionar o problema e repreender os meus coleguinhas de classe, lembro como se fosse hoje, eu usava um óculos vermelho, sempre gostei de óculos diferentes, subi a escada até a diretoria com o cacho de bananas na mão, contei a inspetora e ela levou o caso para a diretora que me chamou e fez algumas perguntas, e eu ali assustado disse que iria falar para meu irmão que era bem mais velho, grande e forte (todo irmão menor pensa isso de seu irmão mais velho?) e a diretora me disse que não seria preciso, que resolveria o caso e marcaria uma reunião com os alunos e os pais deles. Eu aguardo até hoje esta reunião ser marcada para ver meus coleguinhas de classe serem repreendidos, pois somos todos macacos não?" 

     De lá para cá o que mudou? Mudou que agora aprendi que eu deveria ter comido as bananas em protesto... 
     Até o próximo caso de racismo, boa semana.
   


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