segunda-feira, 28 de abril de 2014

É preciso maqui(n)ar bem para ficar bonito na foto

Velhos preconceitos presentes hoje, mas pouco comentados, pois maqui(n)ar é preciso. 

     Nestes últimos dias fatos corriqueiros, mais corriqueiros do que gostaria, chamaram a atenção mesmo sendo pouco divulgados, talvez pela camuflagem ou pior, pela naturalidade em encará-los.

    Um jovem preso por engano, piada, um comentário infeliz, pessoas imitando um macaco, pessoas chamando alguém de macaco demonstram a excelente maquinagem, quis dizer maquiagem, que permitem uma reflexão. 

     O ator e vendedor Vinícius Romão de Souza, de 26 anos, foi preso por engano simplesmente por ser negro, ter cabelo de negro, não houve uma averiguação para comprovar a acusação e ele foi preso em flagrante.

     A apresentadora Glória Maria da Rede Globo de Televisão foi vítima de uma piadinha no Instagram quando postaram uma foto sua ao lado de amigas de trabalho. 


     
  Créditos da imagem: entretenimento.r7.com

     Uma das moradoras da Casa do BBB deste ano, chamada Franciele, fez um comentário dizendo que se não passar desodorante fica com cheiro de neguinha.

     Três jogadores brasileiros,Daniel Alves (Barcelona), Tinga (Cruzeiro/MG) e Arouca (Santos/Sp), em jogos por seus clubes foram vítimas de racismo.

     O programa Encontro com Fátima Bernardes convidou o jovem preso por engano para participar e dar entrevista no programa e este assunto do racismo e do preconceito  teve um pequeno espaço no programa. 

     Existe um discurso que diz que todos são vítimas de um sistema que ensina desta maneira, não acredito que todos são vítimas, vitimas são Vinícius, Glórias, "neguinhas fedidas" e atletas negros por este país a fora. 
     
     Quero dar um recado especial pra você moreninho, marronzinho, você que não é tão negro assim, mas que também não é branco, talvez você, em algum momento, ouviu coisas do tipo: "mas você nem é negro", "você é no máximo moreninho", "é quase branco" (essa é minha preferida). Sua cor de pele vai mudar conforme a necessidade da ocasião. Como sei disso? Advinha… Será neguinho em algumas ocasiões convenientes e também será quase branco, quase aceito em outras. Assuma-se, encontre-se e não deixe que te enganem. Se quer saber como me considero, eu sou NEGRO, filho de negra, neto de negra e bisneto de escrava liberta, daqui em diante a genealogia continua em terras africanas.  


     Não devemos colocar panos quentes, devemos cutucar, vascolejar, isso nunca foi um caso isolado é uma questão política, então temos que exigir pautas políticas, temos que exigir penas mais severas, temos que exigir respeito através da luta, não lembro um período histórico em que isso tenha sido diferente.

     Creio que o problema deveria ser trabalhado nas escolas desde muito cedo, que as punições deveriam acontecer em todos os casos comprovados de racismo e preconceito, infelizmente a esta altura do campeonato não dá mais para esperar a compreensão e a aceitação de que não há diferenças entre cores, peles, narizes, que isso não demonstra de forma alguma capacidades inferiores ou superiores. O lindo sermão de Luther King não passa de um sonho, lindo sonho, a realidade é cruel, pelo menos por aqui, e negros necessitam tirar 12 nas mesmas provas para serem equiparados com brancos que tiram 8. Não há dúvidas de que isso acontece! 

     Qual negrinho ou negrinha não foi vítima de preconceito? Não conheço um que nunca passou por tal situação no mínimo constrangedora, numa blitz o negrinho não tem o mesmo tratamento do branco, em alguns lugares (restaurantes, lojas), na porta de entrada vem aquele olhar de reprovação dizendo que aquele local não é para você. Já viveu isso? (risos) Quantas e quantas vezes. 

     Poderíamos chover no molhado e dizer que todos são iguais, que todos merecem o mesmo respeito, que temos que ser daltônicos quanto à cor de pele, e poderíamos ser mais poéticos também, é uma linda teoria, na prática você não passa de mais um negrinho meliante, esse adjetivo vem de brinde, suspeito sempre. 

     E tem aqueles que invocam de seu interior coisas do tipo: racismo não existe, vejam o Joaquim Barbosa, vejam o Obama, claro que racismo não existe, é só olhar a sucessão de negros nestes cargos, é a coisa mais normal do mundo ver um negro ali, não é? E quando dizem que é mérito? Hahahaha eu me divirto, sim, sim, dizem que é mérito, então na história do Ocidente só dois negrinhos foram meritórios e o resto? O resto é vagabundo, não estudou, não trabalhou, porque se tivessem feito isso teriam chegado lá como o Joaquim e o Obama, exemplos da igualdade racial. 

      Sabe, queria estar ali no cantinho, quietinho, só olhando a reunião do dia 12 de maio de 1888, vendo e ouvindo a sublime decisão de libertarem os escravos. Ah que atitude bondosa, a mão de obra agora livre da migração européia estava chegando para substituir os negros, mas claro que teriam salários, seriam livres. Você achou que seriam como os negrinhos? E no dia 13, que cena linda, a Lei Áurea é assinada todos os negros são livres, que bonito. Pergunto: foram para onde? Trabalhar com o quê? Viver do que? Sabiam ler? Sabiam escrever? Qual foi o plano da Lei Áurea para isso? Não houve né. Os negrinhos ontem eram escravos e hoje são livres, sem ter para onde ir, sem direito a nada. Era só o que faltava, ainda quererem alguma coisa, já foram libertos. Eis aqui a criação da famosa favela, foram viver de vento, ar e luz em algum canto que acharam. E de lá pra cá o que mudou? Mudou que um Joaquim ousa sair de seu cantinho para alcançar algo maior, sem ter o mesmo acesso à escola, educação ou qualquer outra coisa que os demais livres têm. 

     O que às vezes confunde as pessoas e o que não quero saber é se alguém me acha ruim ou menor porque sou moreninho ou negro, não posso e não quero entrar na cabeça desta pessoa e mudar o que ele(a) pensa, isso claro enquanto for apenas um pensamento dele(a), não quero mudar a cabeça dele(a), quero que o que ele(a) pense não me atrapalhe socialmente, não me tire direitos, entendem a diferença? O problema não é ele achar algo a meu respeito, o problema é quando isso me atrapalha socialmente, é quando isso se torna institucional e um negro deixa de ter direitos básicos negados pelo que outra pessoa pensa, isso é o que deve ser combatido, a institucionalização do preconceito.     

    Racismo! Racistas! Preconceituosos! Aqui o preconceito é institucional, é uma marca registrada do Estado e da família brasileira. 


     O que fazer? 

    Que os atletas negros e os demais abandonem o campo a cada grito de Macaco. Que a Glória venha em Rede nacional e grite, não dá mais para ficar assim.

     Tivemos também o caso do jogador de vôlei Wallace.

     Estes foram alguns casos na mídia que não receberam maior atenção além de algumas matérias e o rostinho de triste dos repórteres. Eu quero mais! Quero que sejam todos tratados iguais, que os racistas paguem por seus crimes. 
     

     Não há mais espaço para a separação, não há mais espaço para a segregação, quer ela seja racial, social, sexual, somos todos iguais nos direitos e deveres e diferentes em nossas escolhas e isso deve ser respeitado. 

     Fica aqui de forma explícita minha repugnação contra estes fatos e tantos outros que acontecem a cada dia, não seja passivo nesta situação, ensine, eduque seus filhos ,sobrinhos, alunos, etc., para que eles tenham um mundo que nós não tivemos, onde o sermão de Luther King deixe de ser sonho e vire realidade. 

     I have a dream, I have a reality.

     Que o preconceito que gera a camuflagem deixe de existir. 

    


sábado, 19 de abril de 2014

Uma Ponte para Deus em Terabítia

Um dia desses passando pela sala, entre um afazer e outro, olhei para a TV transmitindo a fatídica Sessão da Tarde e lá estava mais um filme reprisado. Fui até a cozinha, mas fiquei de “orelha em pé” (quem tem um cachorro compreende o que isso quer dizer), porque era um filme de reinos encantados e distantes, não sei porque mas, desde muito pequeno, estes filmes me encantam (creio já ser tarde demais para abandonar um velho vício de infância). Durante o filme “Ponte para Terabítia”, me deparo com um diálogo que me espantou pela profundidade, já que era um filme para o público infanto-juvenil. Não que filmes para este público não tenham profundidade, mas discutir Deus e a religião de forma tão séria “do nada”, numa sessão da tarde (risos), sem avisar antes para nós adultos nos prepararmos para argumentar?
Refletindo depois (porque assisti ao filme mais três vezes), me lembrei muito de um livro de Rubem Alves “Perguntaram-me se acredito em Deus”. Se você não leu, precisa colocá-lo em sua lista de urgências vitais, antes de entrarmos no diálogo do filme. Lembro de uma estória que o professor sempre contava (sim, tive a sorte de ser aluno de Rubem Alves):
            “O galo era o mais imponente animal daquela fazenda, toda madrugada ele acordava, levantava e caminhava ao ponto mais alto do galinheiro, estufava o peito sob o olhar embasbacado de todos os outros animais, enchia o peito e cantava, cantava com toda estirpe de um tenor, e logo após o sol nascia no horizonte, ah que espetáculo, todos os animais ficavam impressionados com este canto e com este galo, afinal o sol nascia todo o dia apenas quando o galo cantava, que poder, e claro que todos tinham muito cuidado com o galo, afinal imagina se algo acontece com ele? Ficariam todos sem sol?
            Um belo dia o galo perdeu a hora e quando acordou, adivinhem? O sol já estava lá a pino, forte e imponente, e todos os animais zombavam descaradamente do galo, principalmente, o peru com aquela sua gargalhada peculiar. O galo ficou muito, muito tempo em depressão e o sol nascia a cada dia sem seu canto mágico, um belo dia, logo após o sol nascer, o galo levanta com toda pompa, sobe ao canto mais alto do galinheiro e começa a cantar, todos ficaram sem entender nada, por que cantar depois de tanto tempo, depois que o sol já havia nascido? Ele então responde: “antes cantava para o sol nascer e era um louco, hoje canto porque o sol nasce e sou um poeta!”
Vamos ao diálogo do filme “Ponte para Terabítia”, que se passa entre três crianças na carroceria de uma caminhonete ao saírem de um culto matinal. As três crianças são: Jess, May Belle (irmã de Jess) e Leslie (convidada para aquele culto dominical):
-       Leslie: Gostei muito te ter ido, toda história de Jesus é interessante não é?
-       May Belle: Não é interessante, é assustadora, enfiaram pregos nas mãos dele, somos todos pecadores e Deus fez Jesus morrer por isso.
-       Leslie: Acha que isso é verdade mesmo?
-       Jess: Está na Bíblia, Leslie.
-       Leslie: Vocês têm que acreditar e odeiam, eu não tenho que acreditar e acho maravilhoso.
-       May Belle: Temos que acreditar na Bíblia, Leslie.
-       Leslie: Por quê?
-       May Belle: Porque se não acreditar na Bíblia, Deus vai te mandar para o inferno quando você morrer.
-       Leslie: Nossa, May Belle! Onde ouviu isso?
-       May Belle: É verdade, não é Jess? Deus te manda para o inferno se você não acreditar na Bíblia.
-       Jess: Eu acho que sim.
-       Leslie: Eu não acredito. Sinceramente, acho que Deus não sai por aí condenando pessoas a viver no inferno. Ele está ocupado demais governando tudo isso (apontando para a Natureza).

Que diálogo interessante para uma sessão da tarde, me tirou o foco do trabalho naquele momento, parei e fui assistir ao filme.
Logo lembrei do livro de Rubem Alves, que responde a uma pergunta desafiadora. Conta ele que esta pergunta foi feita por uma senhora numa palestra sobre educação e ele a usou para escrever lindamente este livro confissão. Na obra, é nítida sua provocação a Bíblia e ensinamentos difundidos e aceitos pelo Cristianismo, ele brinca e desmonta muitas estórias, criando novas perspectivas, a começar pelo personagem principal do livro que é um senhor bem velho contador de estórias chamado Benjamim. Os conhecedores do Antigo Testamento já fizeram a ligação com um dos doze filhos de Jacó que deu origem ao povo hebreu, ele foi o caçula, sua mãe Raquel morreu no parto, agora ele já bem idoso faz as narrações.
Qual a ligação entre o trecho do filme (por que não o filme todo?) e o livro? Os dois tratam do mesmo assunto, a crença (fé), suas consequências, crises e esperanças.
A questão levantada no diálogo que mais me chama atenção é “vocês tem que acreditar e odeiam, eu não tenho que acreditar e acho que é maravilhoso.” Interessante afirmação, ali existe a religiosidade e uma perigosa liberdade daqueles que não são obrigados a crer. E tem alguém que é obrigado a crer? Sim, os religiosos, que vão a cultos matinais, vespertinos, mas têm dificuldades com o sono porque correm sempre o risco de irem para o inferno, são obrigados a crer na Bíblia com o único intuito de não irem para o inferno; é o peso de uma religiosidade.
A transgressora Leslie e o Mestre Benjamim de Rubem Alves têm muito a conversar, eles são livres e Deus não é um peso, um fardo, e sim um vento leve que sopra lindas melodias mesmo nas histórias mais tristes, eles não são obrigados a ouvir a canção, escutam porque gostam dela, percebem?
Mestre Benjamim conta sobre um Deus que parece uma fonte de água a jorrar, não para que ninguém não morra de sede e nem para que todos necessitem ir até lá beber, mas Ele é fonte e jorra, simplesmente, quem quiser pode ir beber. Um Deus mais poético, menos cartesiano, livre. A religião cria gaiolas. Não estou aqui defendendo este ou aquele Deus ou esta ou aquela percepção sobre Deus, estou aqui querendo abrir a minha gaiola, querendo ouvir e cantar doces melodias. Já se perguntaram porque nossas promessas para Deus são sempre sacrificiais? Vou deixar de comer, vou abrir mão disso ou daquilo, para quê?... Porque não podemos prometer escrever e(ou) recitar um poema para Ele? Não podemos sentar com Ele e ouvir o Prelúdio da Suite nº1 para Violoncelo (Cello) de Bach? Se você a toca, por favor, me chame para este momento “sacrificial”.
Vamos aprender com Benjamim ou com Leslie a não sermos obrigados a nada e, de livre espontânea vontade, ouvir e entoar canções, poemas ou um belo silêncio para Ele, o ETERNO.
Para terminar, não poderia esquecer o texto do Novo Testamento que fala sobre o filho pródigo. Todos sabemos da estória desta parábola, em que o filho mais novo pede ao pai sua parte na herança e sai a gastar e a viver de forma descompromissada, gasta tudo o que tem enquanto seu irmão mais velho continua ali ao lado do pai a trabalhar fiel; o mais novo teve que trabalhar cuidando de porcos para sobreviver e lembrou que os funcionários do pai dele possuíam uma vida mais digna e resolve voltar e pedir ao pai que o trate como um daqueles funcionários, o pai o recebe numa festa linda e claro que o aceita como filho, nisso o mais velho fica bravo pois sempre esteve ali trabalhando e nunca tivera uma festa. Creio que você já ouviu este texto em muitas mensagens ou palestras, mas o principal quase ninguém fala, no fundo o pai espantou o mais novo porque este esperava menos e o mais velho se chateou pois esperava mais, o que aprender nesta história? Simples, Deus não contabiliza débitos e nem créditos. Viva, pois Ele não espera nada de você, Ele é uma fonte a jorrar em todos os lugares, na sessão da tarde ou numa boa conversa com um velho contador de estórias.

E você, acredita em que Deus?





Bibliografia:


ALVES, Rubem. Perguntaram-me se acredito em Deus. São Paulo: Planeta do Brasil, 2007.
CSUPÓ, Gábor. (direção). Ponte para Terabítia (Bridge toTerabithia). EUA/Nova Zelândia: Walt Disney Pictures, 2007.



sexta-feira, 11 de abril de 2014

Ipea: erros, protestos e conclusões.

No dia 27 de março, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgou um estudo sobre "Tolerância Social à violência contra as mulheres", batizado de Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS). O trabalho baseou-se na entrevista de 3.810 pessoas, residentes em 212 municípios de todo o país. 
Para quem se interessar compartilho os links da pesquisa e da errata que foram divulgados no site www.ipea.gov.br .

A Pesquisa divulgada no dia 27/03/2014 - "Tolerância Social à violência contra as mulheres" 

A Errata divulgada no dia 04/04/2014 - Errata, no final da página da Errata o Ipea compartilha os micro dados de toda a pesquisa.

Vou elencar alguns dados interessantes divulgados além do número equivocado de 65% que, possivelmente, concordavam com o estupro a mulheres que se "vestiam de forma vulgar" (todos os dados foram retirados da pesquisa):

"Tem Mulher que é pra casar, tem mulher que é pra cama"
54,9% concordam completamente ou parcialmente com esta afirmação e 35,3% discordam total ou parcialmente, o restante é neutro.

"Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher"
81,9% concordam total ou parcialmente com esta afirmação.

"A 'roupa suja' deve ser lavada em casa"
89% concordam total ou parcialmente com esta afirmação.

"Casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre os membros da família"
63% concordam total ou parcialmente com a afirmação.

"Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupro"
58,5% concordam total ou parcialmente com a afirmação.

Quero também delinear o perfil dos entrevistados:
- 66,5% são mulheres
- 65,7% são católicos (entre homens e mulheres)
- 24,7% são evangélicos (entre homens e mulheres)

A tal questão que foi trocada e gerou uma grande movimentação e também a demissão de um funcionário do Ipea dizia que "mulheres que usam roupa que mostram o corpo merecem ser atacadas".










Depois de grande movimentação nas redes sociais e um número muito alto de visitas ao site do Ipea, constatou-se que foram trocadas as respostas de duas questões, ou seja, a resposta mostrada no gráfico acima, na verdade era da questão que dizia: "Mulher que é agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar".

Com toda certeza é uma questão menos chocante, agressiva e violenta do que a do ataque (estupro), mas também não é uma questão branda o suficiente para dizer: "ufa, vivemos em uma sociedade resolvida quanto a questão de gênero".  

No final das contas, a pesquisa caiu num certo descrédito pelo erro cometido, mas este mesmo erro trouxe um assunto muito importante à tona e isso sim é muito positivo, o saldo final só o tempo e as muitas lutas dirão.

Muitos protestos aconteceram de diversas formas, porém o mais corrente foi as mulheres, aparentemente nuas, postando cartazes com a frase "eu não mereço ser estuprada", e homens reforçando estes dizeres: “elas não merecem ser estupradas”.
Ocorreram críticas e apoios, alguns casos foram parar na polícia, pois comentários agressivos e desrespeitosos foram escritos nas postagens de protesto. 

O que penso sobre tudo isso? Não é uma questão fácil e simples de se resolver, mas é preciso refletir e caminhar. 

O erro do Ipea foi, de certa forma, grosseiro para um instituto desta importância, mas foi resolvido. Não sei se a tempo. Os resultados da pesquisa não foram inovadores ou uma surpresa para mim, eu os vejo dia-a-dia em praticamente todos os lugares.

Os números de toda a pesquisa mostram que a mulher é colocada como co-autora dos crimes cometidos contra ela, exemplo: se ela apanha e continua é porque gosta de apanhar. Ninguém levou outras opções em consideração, como ameaças, filhos pequenos. Casos de violência devem ser discutidos com os da família, mas numa família formada por marido, esposa e filho(a) pequeno, quem vai discutir a violência?

Penso, se você vê alguém roubando a casa de um vizinho, você não tomaria as providências corretas contra o ladrão? Porque, então, não tomaria as mesmas providências num caso de violência doméstica? Seria conivência não fazer nada, não seria?  Isso porque a pesquisa não foi estendida à violência aos filhos(a) pequenos.

Sobre o perfil dos entrevistados temos a confirmação de que as mulheres são machistas. Revendo o conceito da opressão do homem sobre a mulher, aqui vemos a opressão da mulher sobre a mulher, a opressão é social, partindo mais do senso comum e do inconsciente coletivo.

A questão do machismo não está diretamente relacionada a questões religiosas, como pensam erroneamente muitas pessoas, principalmente às religiosas cristãs, neste caso específico. Todo aquele discurso de submissão (respeitando quem crê e também quem não crê) que prega-se contra o movimento feminista, na verdade, está sempre relacionado não ao homem e à mulher como gênero, e sim a um casal. E isso faz uma diferença enorme! A Bíblia não diz em nenhum lugar que a mulher deve estar submissa ao homem, diz que a esposa deve estar submissa ao marido e isso é muito distante da luta da igualdade dos gêneros. 

Vemos nos números citados acima que muitas coisas ainda nos são tabus, grandes tabus, "briga de marido e mulher ninguém mete a colher" é um ditado dúbio, o que é a briga, o que é meter a colher? Esta questão está intimamente ligada a outra que diz que "a roupa suja deve ser lavada em casa" e também a "casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre os membros da família". Percebam o tabu que aparece aqui, famílias tem medo de se expor ao julgamento social por causa da violência que ocorre internamente, muitas mulheres não denunciam por que a denúncia em si é mais uma violência contra ela, é revisitar os fatos, é vivenciar mais uma vez, e quantas e quantas vezes ela terá que fazer isso num processo judicial ou apenas para fazer um simples B.O. 

A violência contra a mulher existe sim e precisa ser questionada com ou sem a pesquisa do Ipea, precisa ser bradada aos quatro ventos, precisa ser trabalhada em homens e mulheres, precisa ser tratada como um problema social como é. Este questionamento precisa estar intimamente ligado à educação e à cultura. Sei, eu sei que isso é praticamente utópico na grande maioria dos casos. 

Concluo, de forma bem simples, que não dá para esperar por mais uma pesquisa do Ipea, é preciso caminhar para algo maior e melhor, para uma sociedade mais igualitária, em que as mulheres e crianças não sejam propriedade alheia de pai ou de marido, precisamos buscar um viver harmonioso ou, pelo menos, um conviver menos violento e aqueles que transgredirem as leis, paguem por isso. 

Deixo o meu grito de “Não à violência”, deixo meu agradecimento a tantas Marias da Penha que lutam bravamente; aprendi e vi, desde cedo, sobre a luta das mulheres, dentro de casa, quando minha mãe saia para trabalhar e lutar por uma vida melhor. 

Ah, e o protesto? Muitos riram depois da pesquisa se mostrar errada, pensando que todos os protestos foram inválidos. Que engano, a luta por um mundo mais justo nunca é inválida!

Segue, aqui, nosso protesto que fizemos em decorrência da violência contra a mulher, que também foi apontada pelo Ipea e depoimentos de pessoas que compartilharam a mesma nas redes sociais. Este protesto que fizemos também é contra a inércia da Igreja Evangélica brasileira que não se pronunciou oficialmente sobre o tema que é tão recorrente no dia a dia de todas as mulheres inclusive as cristãs, visto que a pesquisa aponta um número elevado de católicos e evangélicos.






"Somos um grupo de amigos que temos em comum a fé cristã e acreditamos na igualdade entre todos os seres humanos.
Repudiamos o resultado da pesquisa do Ipea, que demonstra em números o que as mulheres sentem na pele dia a dia: o preconceito, o abuso, o desrespeito e o ultrajante ato do estupro. 

Diga não ao abuso, diga não ao estupro, diga não à agressão, diga não ao seu machismo.
Estupros não são justificáveis."

#NaoMerecoSerEstuprada #AVitimaNuncaECulpada #NinguemMereceSerEstuprada

"Eu me chamo Rodrigo e frequentei três cursos universitários (Direito na PUC/SP - Ciências Sociais na USP - Relações Internacionais na Rio Branco/SP) durante a minha vida. Sem entrar em detalhes em qual deles isso ocorreu, para preservar a vítima que deseja ficar anônima, eu tive uma colega estuprada pelos próprios colegas da nossa turma. Estamos falando de dois estudantes universitários, presumidamente educados, ambos de classe média alta. A justificativa deles é que ela estava tão bêbada, após uma festa em uma viagem de estudantes, que eles tiveram que tirar a roupa dela, dar um banho e daí foi "impossível segurar a vontade". Logo, "ela teria pedido para ser estuprada. Quem mandou ficar tão bêbada que precisou ser banhada e cuidada por dois amigos homens?". Nunca vou esquecer a angústia, o sentimento de humilhação, enfim a enorme dor e o trauma da vítima que só descobriu o estupro pelas dores musculares do dia seguinte associadas à uma gravidez inexplicável, já que ela estava sem parceiro e, portanto, sem relações consentidas há um bom tempo. Nunca deixei de pensar em o quanto seria difícil para ela confiar novamente em um outro homem. Nós seres humanos nos diferenciamos dos outros animais pela capacidade de raciocinar e conter nossos impulsos, sejam eles quais forem. Portanto, somos nós homens, enquanto humanos, capazes sim de respeitar uma mulher, ainda que ela esteja completamente nua diante de nós. Quem já frequentou ambientes naturistas (muito comuns na Europa) sabe muito bem disso. Apesar da nudez explícita, prevalece o respeito. Temos que respeitar todas as mulheres como aprendemos a respeitar nossas avós, mães, irmãs e filhas. Não há diferença! Se você, colega masculino, não consegue olhar uma mulher, ainda que ela esteja nua, e não se conter, apesar do NÃO consentimento dela, você tem um grande problema psicológico. Busque ajude imediata! Porque você não pode viver em Sociedade. No âmbito social deve prevalecer o respeito à vontade alheia, às leis do teu Estado quando democrático e, sobretudo, às leis de Deus. A culpa é e sempre será dos homens quando há qualquer tipo de estupro. A mulher é apenas e tão somente uma vítima. Em todos os casos, em todas as histórias. Tenho o orgulho de ter participado deste ensaio fotográfico. Porque as vítimas (mulheres) precisam do nosso apoio irrestrito e da nossa participação nesta luta contra esse machismo que vigora, ainda e infelizmente, em nosso país. Essa pesquisa me dá vergonha de ser brasileiro, mas concomitantemente, muita vontade de lutar para assegurar o respeito que nossas compatriotas precisam para viver em paz no nosso Brasil." Rodrigo Lima.

"Eu sou Bárbara Santos e me sinto desrespeitada quando atravesso a rua de minha casa.(Bárbara é atriz e cientista das religiões e, para sair de casa, precisa atravessar a BR-230, situação em que sempre escuta buzinas, olhares e comentários maldosos por parte dos motoristas)."

"Eu sou Melina Rodrigues e me senti desrespeitada quando, voltando para casa me puxaram pelo cabelo e me assediaram verbalmente, se não tivesse outras pessoas por perto poderia ter sido pior. Tive medo por muitos dias.
Melina Rodrigues é estudante universitária, e ao andar nas ruas, eventualmente, é alvo de palavras e olhares maldosos."

"Eu sou Ana Flávia e me sinto desrespeitada quando, no ambiente de trabalho, os homens me enxergam como objeto sexual"
Ana Flávia é professora e assessora de comunicação e, muitas vezes, ouve piadas pornográficas.

"Sou Lidia Camila e me sinto desrespeitada quando vou à praia". (Lidia Camila, atualmente, modelo não se sente à vontade com os olhares maldosos em um simples banho de sol).

“Eu sou Ana Carolina Silveira e me sinto desrespeitada quando, na parada do ônibus, percebo que alguns motoristas diminuem a velocidade, muitas vezes, param ou quase param o carro para “me ver melhor” e ainda buzinam”. (Ana Carolina é publicitária e estudante universitária e, muitas vezes, é alvo de olhares maliciosos por pedestres e motoristas).

"Eu sou Katiúcia Morais e me sinto desrespeitada quando, no transporte público ou na rua, grupo de homens assediam mulheres. 
(Katiúcia Morais é estudante universitária, reside em uma cidade vizinha da capital e diariamente utiliza o transporte público.)"

"Eu sou Noádia Priscila e me sinto desrespeitada quando, QUALQUER pessoa, em qualquer lugar do mundo é alvo de qualquer tipo de violência. Não manifesto sensualidade em minha forma de vestir e nem a recomendo, mas não condeno quem o faz, porque este não é o meu papel social. O meu papel social é contribuir com uma sociedade mais justa, promover paz e ajudar a quem for possível.
Noádia Priscila é professora universitária, e compartilha o seu repúdio à consciência daqueles que justificam quaisquer formas de violência."