segunda-feira, 12 de maio de 2014

A COPA DO MUNDO E A (des)VALORIZAÇÃO DA CULTURA BRASILEIRA


   

     Com toda certeza, o evento mais esperado do ano é a Copa do Mundo de futebol organizado pela FIFA (Federação Internacional de Futebol). 

     A Copa do Mundo desde junho/julho de 2013 tem sido alvo de grandes críticas, não pela Copa em si, todos sabem que o brasileiro gosta muito de futebol, e sim pelo grande investimento na Copa. No entanto, não se vê o mesmo empenho em outras áreas do serviço público e isto é um direito. 

     E o viés cultural disso tudo? E o artista brasileiro no meio disso tudo? E a cultura brasileira? Estas perguntas não foram respondidas e passam desapercebidas pela maioria das pessoas. Então,  proponho que caminhemos por dentro delas, revelemos algumas coisas veladas por muitas dificuldades e façamos críticas a este grande evento mundial. Vamos colocar mais lenha na fogueira.

     A defesa e manutenção da cultura está assegurada na Constituição Federal (Cap.III Seção II, Art. 215 e 216), portanto é obrigação sua manutenção e desenvolvimento pelo Estado. Quanto a isso não há dificuldades e interpretações diferentes. 

     E a realidade como funciona? Vamos exemplificar esta questão tão profunda usando a Copa do Mundo como um funil onde as diversas questões são aglomeradas na prática diária. 

     Dificilmente você vê no dia a dia manifestações artístico-culturais brasileiras nos meios de comunicação e de apresentações (tv, eventos, festivais, etc.), manifestações como o frevo, o forró, o choro, o côco, o maracatu, carimbó, xote, chamarrita, dentre muitas outras.

     Os governos em sua maioria investem muito mais em trabalhos eruditos, como grupos de ballet, orquestras, do que em grupos folclóricos, e aqui não imputo valor ao trabalho, se é bom ou ruim.  Mas levanto uma questão, porque na Copa do Mundo estas manifestações que recebem mais apoio e incentivo não representarão o Brasil na grande festa de abertura e encerramento? Qual o motivo?
     Uma matéria da Folha de São Paulo mostra que a abertura do grande evento acontecerá com manifestações populares (danças e músicas) do Brasil. Então, o que menos aparece e recebe apoio é o que vai nos representar? Isso parece estranho, não?

     A Copa do Mundo é no Brasil, portanto a abertura e encerramento têm que mostrar o que o Brasil tem e é, assim concluímos que a cultura popular é o que realmente representa um País, por isso da importância de sua manutenção e defesa como esta na Constituição. Se o que nos representa como povo e país é a cultura popular, por que esta não recebe o devido tratamento nos anos em que a Copa não acontece? E na Copa, será que ela esta recebendo o devido tratamento? 

     Quando vemos uma matéria dessas podemos pensar assim: "que bom, aí está um benefício para a cultura popular, seus representantes diretos estão sendo contratados para trabalhar num grande evento", isso à primeira vista parece ser muito bom e seria se fosse verdade; na prática, estão convocando voluntários, isso mesmo, voluntários... que trabalharão de graça numa parceria do Governo Brasileiro com a FIFA. Na matéria da Folha, citada acima, temos esta informação e, como desculpa, a empresa responsável diz que 90% dos contratados para liderar esta abertura são brasileiros. Pergunto: como poderiam ser de outro país ja que as manifestações e apresentações vão ser sobre a cultura brasileira, contratariam um inglês para montar uma coreografia de Maracatu? Um mongól para o Samba? E um tcheco para o Frevo? 

     Cito como exemplo uma postagem no Facebook feita por Junior Perim, ator e coordenador executivo da empresa Crescer e Viver, que dentre outras ações organiza o Festival internacional de Circo no Rio de Janeiro que já esta em sua segunda edição:



"TELEFONEMA NA SEMANA PASSADA...


Fulana: "-Oi é o Júnior Perim do Circo Crescer e Viver?"



- Sim sou eu.



Fulana: "- Muito prazer. Meu nome é Fulana. Quem me deu seu contato foram, Beltrana e Cicrano. Eu estou trabalhando na direção do Casting do evento de abertura da Copa Mundo. Tudo bem?"



- Sim. tudo bem comigo. Mas diga lá...

Fulana: "- Na próxima quarta-feira estarei no Rio. Você poderia organizar os alunos que fazem malabares com bolas de futebol? Vou passar aí e seleciona-los para participarem da Cerimônia de abertura da Copa como voluntários."

- Peraí...mas os alunos que fazem formação aqui querem viver, trabalhar e se sustentar do seu trabalho artístico. Além disso o que você me pede também é um trabalho que o Circo Cresce Viver não vai fazer de graça para FIFA, com tudo que tem de investimento no mundial de futebol. Coisas de graça a gente faz aos montes, mas não precisamos da FIFA para nos produzir.

Fulana: "- Mas é que o nosso orçamento é muito baixo. E a FIFA ainda cortou uma parte significativa."

- Tudo bem, mas o que os alunos e o Circo Crescer e Viver tem com isso? Desculpa aí mas para FIFA a gente não trabalha de graça. Tenha um bom dia e boa sorte. Nós não estamos interessados.

NADA CONTRA TER COPA!!! O evento aqui no Brasil tem lá sua importância. AGORA NÃO DÁ PARA SE SUBMETER A ESTA FALTA DE QUALQUER COISA DA FIFA E SEUS PREPOSTOS."


     

     A abertura contará também com artistas nacionais e internacionais de renome (Claudia Leitte, Pitbull e Jennifer Lopez) que cantarão apenas a música tema da Copa e estes não o farão de graça. Entendem onde quero chegar? Mais uma vez vemos a diferença de tratamento. O que realmente representa e importa tem que ser voluntário e o supérfluo receberá altos cachês.

     E não pára por ai, o Minc (Ministério da Cultura) abriu um edital para apresentações e shows culturais nas sedes da Copa e este foi muito criticado por um simples motivo: os artistas só irão receber o cachê pelas apresentações depois do término do evento; lembrando que estamos em ano de eleição, então poderão receber apenas no próximo ano, terão que produzir seus espetáculos com o dinheiro do bolso e se derem sorte receberem 2 ou 3 meses depois. (vejam uma matéria sobre isso).

     Na matéria da Folha, Allan Cimermam, responsável pela empresa Team Spirit, que está organizando estes eventos e recebendo para isso diz : "Estes alunos (voluntários) não estão trabalhando a troco de nada, oferecemos, uniforme, alimentação, transporte e um certificado de participação". Cimermam que não gosta de usar o termo voluntário conclui: "Estamos trabalhando na capacitação de talentos para deixar um legado ao país". 

     Gostaria de saber qual é o investimento que estão fazendo, já que entram em contato com companhias artísticas renomadas, como o Circo Crescer e Viver do Junior Perim, e pedem os melhores artistas (alunos) disponíveis para um trabalho voluntário. Quem deixa legado artístico são estes artistas que trabalham de sol a sol aqui e não a empresa do senhor Allan Cimermam.  

     Minha crítica não é diretamente à Copa do Mundo, relembrando o que disso no começo, vamos descortinar as coisas que ficaram evidentes por causa da Copa mas que sempre aconteceram. Temos aqui uma das pontinhas do iceberg, podemos parar por aqui ou continuar a descobrir mais do que esta velado e lutarmos por um país melhor com Copa ou sem, um país onde o trabalho seja valorizado e devidamente remunerado ainda mais quando este esta na lista de obrigações do Estado. 

     Aguardo o segundo evento mais esperado do ano, as eleições, para ver o grau de insatisfação ou não da população. 

     A valorização da cultura é a valorização do que somos e temos, então, tudo se enquadra aqui dentro, a saúde, a economia, a segurança, a educação. Uma nação que não se valoriza não terá o por que investir em si mesma. 

     Lutemos para que isso mude até a próxima Copa no Brasil.
   

sexta-feira, 2 de maio de 2014

RACISMO, UMA REFLEXÃO ATÉ O PRÓXIMO CASO.

     Todos ouviram falar (superficialmente) do caso do Daniel Alves, jogador do Barcelona (Espanha) e também da Seleção Brasileira. Numa partida entre Barcelona e Villarreal, no último domingo (27/04/2014), após ser alvo de racismo com uma banana atirada em campo, ele (Daniel Alves) a pegou e comeu antes de cobrar o escanteio (Vídeo), isso gerou uma grande movimentação nas redes sociais com a hashtag #somostodosmacacos, um projeto bancado por Neymar com vídeos no Youtube e demais espaços publicitários, e também por Luciano Huck, gerando grande crítica para este ltimo que aproveitou o protesto e o manifesto para lucrar um pouquinho. 
     O tema do racismo me é muito claro e óbvio e já escrevi sobre ele em outro texto (Apontador Cotidiano), quero então me apegar a esta reflexão sobre os desdobramentos deste acontecido. 
     Todos os meios de comunicação mostraram o fato relatado acima e fizeram debates em seus programas. Você deve estar pensando: "Isso é bom, pois vamos refletir sobre". Por um detalhe muito claro eu não vi isso como a grande parte dos espectadores viu, tento e me esforço sempre para enxergar nas entrelinhas, mas neste caso nem foi preciso tanto. 
     Não somos todos macacos e estamos longe de ser, a referência ao macaco é uma alusão a alguém menos evoluído, e isso neste caso refere-se apenas a negros e não a todos que usam a hashtag, porque? Digo isso porque grande parte dos que usaram esta hashtag são contra bolsas ou cotas para negros mas não reclamam de ter seu curso ou pós-graduação pago pelo FIES ou pelo CAPES, percebem? No fundo esta hashtag que teve boa intenção, e com isso concordo, pois eu #souDanielAlves, serviu mais uma vez para maqui(n)ar o sistema e sua discriminação.
     De todos os programas que assisti, adivinhem quantos apresentadores e convidados que discutiam a questão do negro eram negros? Percebe agora? Quando o convidado não era um jogador de futebol ou cantor de pagode, a mesa debatedora se constituía apenas de brancos. Os parlamentares que discutiram o tema eram negros? E os professores universitários que levaram o tema para a sala de aula eram negros? Então, por favor, não me venham com esta hashtag em seu Twitter ou Facebook ou Instagram, venham com acesso à transporte, lazer, segurança, comida, água, moradia, cultura e educação, na verdade, entendo educação como a somatória de todas estas necessidades.
     Volto a dizer, como fiz no meu ultimo texto, que o problema não é quando alguém me acha inferior ou pior porque sou negro, ou afrodescendente, ou moreninho, ou pretinho, ou cor de burro quando foge, ou Cirilo, ou urubu, ou macaco e segue a lista de apelidos não racistas; o problema é quando este "achar" fere meus direitos legais, enquanto está apenas na cabeça de alguém, não tenho nada a ver com isso, isso passa a ser crime quando vira uma ação que tira um direito legal adquirido ou constitucional, como queiram, e aí aparece o grande problema, o Estado garante acesso em suas leis mas não cumpre na prática.
     Por isso afirmo que o preconceito é institucional, em vez de oferecer todo o direito oferecem algumas cotas. Entendam que eu não sou contra, sou a favor das cotas, ela diminui a porcentagem de negros fora da escola superior, os negros já somam 6% dos alunos universitários por causa das cotas. De cada cem vagas, apenas seis são alcançadas por negros. Claro que se formos para cursos tradicionais em universidades tradicionais o número de negros é zero, mesmo com cotas, vejam a USP como exemplo. Nem vamos pensar em quantos desses 6% conseguem emprego na área formada depois. Sou a favor das cotas como passo inicial para uma reformulação da sociedade, mas não devemos permitir que fique apenas nisso, não queremos esmola, queremos que as cotas sejam um primeiro passo para que os direitos sejam plenos. 
     A maqui(n)agem é clara, bem clara. Na verdade, esta hashtag mais maqui(n)a do que resolve a questão de identidade ou do preconceito. Lembro de um caso que me custou muito, vou relatá-lo aqui em tom de denúncia: 
          
          "Estava na quinta ou sexta séria, isso nos longínquos anos 90 do século passado, eu tinha 11 ou 12 anos, numa aula de educação física alguns coleguinhas de classe resolveram me presentear com um cacho de banana; eu era bolsista numa escola particular, era uma excessão à regra naquele momento, em toda a escola éramos em três negros,  pois ali não era lugar de um moreninho, e este delicado presente de meus coleguinhas deixava isso claro. Eu fiquei muito assustado, pois o cacho de bananas veio junto a alguns xingamentos bem amorosos, eu busquei a diretoria logo após a aula para solucionar o problema e repreender os meus coleguinhas de classe, lembro como se fosse hoje, eu usava um óculos vermelho, sempre gostei de óculos diferentes, subi a escada até a diretoria com o cacho de bananas na mão, contei a inspetora e ela levou o caso para a diretora que me chamou e fez algumas perguntas, e eu ali assustado disse que iria falar para meu irmão que era bem mais velho, grande e forte (todo irmão menor pensa isso de seu irmão mais velho?) e a diretora me disse que não seria preciso, que resolveria o caso e marcaria uma reunião com os alunos e os pais deles. Eu aguardo até hoje esta reunião ser marcada para ver meus coleguinhas de classe serem repreendidos, pois somos todos macacos não?" 

     De lá para cá o que mudou? Mudou que agora aprendi que eu deveria ter comido as bananas em protesto... 
     Até o próximo caso de racismo, boa semana.