sexta-feira, 11 de abril de 2014

Ipea: erros, protestos e conclusões.

No dia 27 de março, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgou um estudo sobre "Tolerância Social à violência contra as mulheres", batizado de Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS). O trabalho baseou-se na entrevista de 3.810 pessoas, residentes em 212 municípios de todo o país. 
Para quem se interessar compartilho os links da pesquisa e da errata que foram divulgados no site www.ipea.gov.br .

A Pesquisa divulgada no dia 27/03/2014 - "Tolerância Social à violência contra as mulheres" 

A Errata divulgada no dia 04/04/2014 - Errata, no final da página da Errata o Ipea compartilha os micro dados de toda a pesquisa.

Vou elencar alguns dados interessantes divulgados além do número equivocado de 65% que, possivelmente, concordavam com o estupro a mulheres que se "vestiam de forma vulgar" (todos os dados foram retirados da pesquisa):

"Tem Mulher que é pra casar, tem mulher que é pra cama"
54,9% concordam completamente ou parcialmente com esta afirmação e 35,3% discordam total ou parcialmente, o restante é neutro.

"Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher"
81,9% concordam total ou parcialmente com esta afirmação.

"A 'roupa suja' deve ser lavada em casa"
89% concordam total ou parcialmente com esta afirmação.

"Casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre os membros da família"
63% concordam total ou parcialmente com a afirmação.

"Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupro"
58,5% concordam total ou parcialmente com a afirmação.

Quero também delinear o perfil dos entrevistados:
- 66,5% são mulheres
- 65,7% são católicos (entre homens e mulheres)
- 24,7% são evangélicos (entre homens e mulheres)

A tal questão que foi trocada e gerou uma grande movimentação e também a demissão de um funcionário do Ipea dizia que "mulheres que usam roupa que mostram o corpo merecem ser atacadas".










Depois de grande movimentação nas redes sociais e um número muito alto de visitas ao site do Ipea, constatou-se que foram trocadas as respostas de duas questões, ou seja, a resposta mostrada no gráfico acima, na verdade era da questão que dizia: "Mulher que é agredida e continua com o parceiro gosta de apanhar".

Com toda certeza é uma questão menos chocante, agressiva e violenta do que a do ataque (estupro), mas também não é uma questão branda o suficiente para dizer: "ufa, vivemos em uma sociedade resolvida quanto a questão de gênero".  

No final das contas, a pesquisa caiu num certo descrédito pelo erro cometido, mas este mesmo erro trouxe um assunto muito importante à tona e isso sim é muito positivo, o saldo final só o tempo e as muitas lutas dirão.

Muitos protestos aconteceram de diversas formas, porém o mais corrente foi as mulheres, aparentemente nuas, postando cartazes com a frase "eu não mereço ser estuprada", e homens reforçando estes dizeres: “elas não merecem ser estupradas”.
Ocorreram críticas e apoios, alguns casos foram parar na polícia, pois comentários agressivos e desrespeitosos foram escritos nas postagens de protesto. 

O que penso sobre tudo isso? Não é uma questão fácil e simples de se resolver, mas é preciso refletir e caminhar. 

O erro do Ipea foi, de certa forma, grosseiro para um instituto desta importância, mas foi resolvido. Não sei se a tempo. Os resultados da pesquisa não foram inovadores ou uma surpresa para mim, eu os vejo dia-a-dia em praticamente todos os lugares.

Os números de toda a pesquisa mostram que a mulher é colocada como co-autora dos crimes cometidos contra ela, exemplo: se ela apanha e continua é porque gosta de apanhar. Ninguém levou outras opções em consideração, como ameaças, filhos pequenos. Casos de violência devem ser discutidos com os da família, mas numa família formada por marido, esposa e filho(a) pequeno, quem vai discutir a violência?

Penso, se você vê alguém roubando a casa de um vizinho, você não tomaria as providências corretas contra o ladrão? Porque, então, não tomaria as mesmas providências num caso de violência doméstica? Seria conivência não fazer nada, não seria?  Isso porque a pesquisa não foi estendida à violência aos filhos(a) pequenos.

Sobre o perfil dos entrevistados temos a confirmação de que as mulheres são machistas. Revendo o conceito da opressão do homem sobre a mulher, aqui vemos a opressão da mulher sobre a mulher, a opressão é social, partindo mais do senso comum e do inconsciente coletivo.

A questão do machismo não está diretamente relacionada a questões religiosas, como pensam erroneamente muitas pessoas, principalmente às religiosas cristãs, neste caso específico. Todo aquele discurso de submissão (respeitando quem crê e também quem não crê) que prega-se contra o movimento feminista, na verdade, está sempre relacionado não ao homem e à mulher como gênero, e sim a um casal. E isso faz uma diferença enorme! A Bíblia não diz em nenhum lugar que a mulher deve estar submissa ao homem, diz que a esposa deve estar submissa ao marido e isso é muito distante da luta da igualdade dos gêneros. 

Vemos nos números citados acima que muitas coisas ainda nos são tabus, grandes tabus, "briga de marido e mulher ninguém mete a colher" é um ditado dúbio, o que é a briga, o que é meter a colher? Esta questão está intimamente ligada a outra que diz que "a roupa suja deve ser lavada em casa" e também a "casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre os membros da família". Percebam o tabu que aparece aqui, famílias tem medo de se expor ao julgamento social por causa da violência que ocorre internamente, muitas mulheres não denunciam por que a denúncia em si é mais uma violência contra ela, é revisitar os fatos, é vivenciar mais uma vez, e quantas e quantas vezes ela terá que fazer isso num processo judicial ou apenas para fazer um simples B.O. 

A violência contra a mulher existe sim e precisa ser questionada com ou sem a pesquisa do Ipea, precisa ser bradada aos quatro ventos, precisa ser trabalhada em homens e mulheres, precisa ser tratada como um problema social como é. Este questionamento precisa estar intimamente ligado à educação e à cultura. Sei, eu sei que isso é praticamente utópico na grande maioria dos casos. 

Concluo, de forma bem simples, que não dá para esperar por mais uma pesquisa do Ipea, é preciso caminhar para algo maior e melhor, para uma sociedade mais igualitária, em que as mulheres e crianças não sejam propriedade alheia de pai ou de marido, precisamos buscar um viver harmonioso ou, pelo menos, um conviver menos violento e aqueles que transgredirem as leis, paguem por isso. 

Deixo o meu grito de “Não à violência”, deixo meu agradecimento a tantas Marias da Penha que lutam bravamente; aprendi e vi, desde cedo, sobre a luta das mulheres, dentro de casa, quando minha mãe saia para trabalhar e lutar por uma vida melhor. 

Ah, e o protesto? Muitos riram depois da pesquisa se mostrar errada, pensando que todos os protestos foram inválidos. Que engano, a luta por um mundo mais justo nunca é inválida!

Segue, aqui, nosso protesto que fizemos em decorrência da violência contra a mulher, que também foi apontada pelo Ipea e depoimentos de pessoas que compartilharam a mesma nas redes sociais. Este protesto que fizemos também é contra a inércia da Igreja Evangélica brasileira que não se pronunciou oficialmente sobre o tema que é tão recorrente no dia a dia de todas as mulheres inclusive as cristãs, visto que a pesquisa aponta um número elevado de católicos e evangélicos.






"Somos um grupo de amigos que temos em comum a fé cristã e acreditamos na igualdade entre todos os seres humanos.
Repudiamos o resultado da pesquisa do Ipea, que demonstra em números o que as mulheres sentem na pele dia a dia: o preconceito, o abuso, o desrespeito e o ultrajante ato do estupro. 

Diga não ao abuso, diga não ao estupro, diga não à agressão, diga não ao seu machismo.
Estupros não são justificáveis."

#NaoMerecoSerEstuprada #AVitimaNuncaECulpada #NinguemMereceSerEstuprada

"Eu me chamo Rodrigo e frequentei três cursos universitários (Direito na PUC/SP - Ciências Sociais na USP - Relações Internacionais na Rio Branco/SP) durante a minha vida. Sem entrar em detalhes em qual deles isso ocorreu, para preservar a vítima que deseja ficar anônima, eu tive uma colega estuprada pelos próprios colegas da nossa turma. Estamos falando de dois estudantes universitários, presumidamente educados, ambos de classe média alta. A justificativa deles é que ela estava tão bêbada, após uma festa em uma viagem de estudantes, que eles tiveram que tirar a roupa dela, dar um banho e daí foi "impossível segurar a vontade". Logo, "ela teria pedido para ser estuprada. Quem mandou ficar tão bêbada que precisou ser banhada e cuidada por dois amigos homens?". Nunca vou esquecer a angústia, o sentimento de humilhação, enfim a enorme dor e o trauma da vítima que só descobriu o estupro pelas dores musculares do dia seguinte associadas à uma gravidez inexplicável, já que ela estava sem parceiro e, portanto, sem relações consentidas há um bom tempo. Nunca deixei de pensar em o quanto seria difícil para ela confiar novamente em um outro homem. Nós seres humanos nos diferenciamos dos outros animais pela capacidade de raciocinar e conter nossos impulsos, sejam eles quais forem. Portanto, somos nós homens, enquanto humanos, capazes sim de respeitar uma mulher, ainda que ela esteja completamente nua diante de nós. Quem já frequentou ambientes naturistas (muito comuns na Europa) sabe muito bem disso. Apesar da nudez explícita, prevalece o respeito. Temos que respeitar todas as mulheres como aprendemos a respeitar nossas avós, mães, irmãs e filhas. Não há diferença! Se você, colega masculino, não consegue olhar uma mulher, ainda que ela esteja nua, e não se conter, apesar do NÃO consentimento dela, você tem um grande problema psicológico. Busque ajude imediata! Porque você não pode viver em Sociedade. No âmbito social deve prevalecer o respeito à vontade alheia, às leis do teu Estado quando democrático e, sobretudo, às leis de Deus. A culpa é e sempre será dos homens quando há qualquer tipo de estupro. A mulher é apenas e tão somente uma vítima. Em todos os casos, em todas as histórias. Tenho o orgulho de ter participado deste ensaio fotográfico. Porque as vítimas (mulheres) precisam do nosso apoio irrestrito e da nossa participação nesta luta contra esse machismo que vigora, ainda e infelizmente, em nosso país. Essa pesquisa me dá vergonha de ser brasileiro, mas concomitantemente, muita vontade de lutar para assegurar o respeito que nossas compatriotas precisam para viver em paz no nosso Brasil." Rodrigo Lima.

"Eu sou Bárbara Santos e me sinto desrespeitada quando atravesso a rua de minha casa.(Bárbara é atriz e cientista das religiões e, para sair de casa, precisa atravessar a BR-230, situação em que sempre escuta buzinas, olhares e comentários maldosos por parte dos motoristas)."

"Eu sou Melina Rodrigues e me senti desrespeitada quando, voltando para casa me puxaram pelo cabelo e me assediaram verbalmente, se não tivesse outras pessoas por perto poderia ter sido pior. Tive medo por muitos dias.
Melina Rodrigues é estudante universitária, e ao andar nas ruas, eventualmente, é alvo de palavras e olhares maldosos."

"Eu sou Ana Flávia e me sinto desrespeitada quando, no ambiente de trabalho, os homens me enxergam como objeto sexual"
Ana Flávia é professora e assessora de comunicação e, muitas vezes, ouve piadas pornográficas.

"Sou Lidia Camila e me sinto desrespeitada quando vou à praia". (Lidia Camila, atualmente, modelo não se sente à vontade com os olhares maldosos em um simples banho de sol).

“Eu sou Ana Carolina Silveira e me sinto desrespeitada quando, na parada do ônibus, percebo que alguns motoristas diminuem a velocidade, muitas vezes, param ou quase param o carro para “me ver melhor” e ainda buzinam”. (Ana Carolina é publicitária e estudante universitária e, muitas vezes, é alvo de olhares maliciosos por pedestres e motoristas).

"Eu sou Katiúcia Morais e me sinto desrespeitada quando, no transporte público ou na rua, grupo de homens assediam mulheres. 
(Katiúcia Morais é estudante universitária, reside em uma cidade vizinha da capital e diariamente utiliza o transporte público.)"

"Eu sou Noádia Priscila e me sinto desrespeitada quando, QUALQUER pessoa, em qualquer lugar do mundo é alvo de qualquer tipo de violência. Não manifesto sensualidade em minha forma de vestir e nem a recomendo, mas não condeno quem o faz, porque este não é o meu papel social. O meu papel social é contribuir com uma sociedade mais justa, promover paz e ajudar a quem for possível.
Noádia Priscila é professora universitária, e compartilha o seu repúdio à consciência daqueles que justificam quaisquer formas de violência."





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